Após um ano de pandemia e distanciamento social muitas famílias de crianças autistas têm sentido diretamente as consequências das mudanças de rotina na vida dos filhos. E ainda, em isolamento social, dentro das casas, os desafios são maiores. O medo de contrair o vírus, o stress causado pelo trabalho, angústias de distanciamento do convívio social, todo desgaste psicológico dos pais e cuidadores dentro do contexto de uma pandemia tem chamado a atenção de especialistas. A busca por apoio e orientação parental tem crescido cada vez mais durante esse período:
“Com o aumento das restrições ocasionadas pela pandemia, muitas famílias tiveram seu volume de trabalho aumentado. Enquanto precisam manter seus empregos, ainda há a necessidade de fornecer cuidados em casa e treinamento complementar. Aproveitando o Dia Mundial de Conscientização do Autismo precisamos olhar também para os pais e cuidadores. Para aqueles que dedicam a sua vida ao tratamento dos filhos, divididos entre a rotina do trabalho e da casa. A saúde mental da família, juntamente com o desenvolvimento de habilidades que possam promover o desenvolvimento de independência de seus filhos e filhas, especialmente num momento como esse, precisa ser prioridade. Por isso, além do cuidado às pessoas com autismo, o cuidado aos cuidadores é essencial – a busca pelo acompanhamento psicológico é importantíssima”, explica o Dr. Adriano Barboza – PhD, BCBA, Pesquisador Colaborador no Munroe – Meyer Institute, da University of Nebraska Medical Center, Omaha (NE) e Consultor Técnico do Grupo Conduzir.
Tatiana Teixeira Takasu é advogada, tem 41 anos, é mãe do Miguel de 10 anos – diagnosticado com autismo desde os dois anos e meio. Ela comenta que tem sido desafiador manter as crianças em casa nesse período de pandemia:
“Além do Miguel, tenho também uma filha de 3 anos. Nessa pandemia tudo tem sido um pouco mais difícil. O Miguel gosta muito de ir para a rua, mas não temos saído, por causa da pandemia, ainda mais na fase mais crítica, que interditaram todas as áreas comuns do condomínio. Eu continuo com minha rotina de trabalho. A minha vida é bem corrida, tenho que tomar conta dos filhos, fazer a comida, tem os remédios que tenho que cuidar dos horários para dar ao Miguel. Tudo é bem agitado por aqui.”
Mãe Tatiana Takasu, o marido e os filhos em casa – Arquivo pessoal
Tatiana e o marido dividem as tarefas da casa e trabalho para poderem dar conta de todos os afazeres que envolvem as crianças nessa fase de pandemia:
“Tentamos fazer o máximo para que eles não se sintam tão presos – sei que é difícil porque a gente mesmo se sente preso e estressado, com a criança é pior ainda. Compramos para a casa piscina de bolinha, cama elástica, carteira escolar, brinquedos. A casa ficou uma bagunça – meio escola, meio parquinho – mas estamos nos adaptando da melhor maneira que podemos para que eles sintam o menos possível toda essa pressão. Não vejo a hora que tudo isso passe para ele voltar à rotina que era antes”, comenta a mãe.
Miguel – autista de 10 anos – e a irmã de 3 anos brincando em casa durante a pandemia – – Arquivo pessoal
Karina Frizzi, Psicóloga e Analista do Comportamento – Supervisora ABA do Grupo Conduzir, explica que as principais dificuldades relatadas pelos pais e cuidadores de crianças autistas após um ano de pandemia é mesmo em relação à nova rotina da casa.
“Muitos pais nos buscam dizendo que as atividades diárias das crianças estão diferentes agora. Por exemplo: muitas não estão frequentando a escola e recebem atividades para fazer em casa, ou então precisam acompanhar a aula on-line. Além disso, a visita a familiares, viagens ou passeios também deixaram de acontecer nesse período. Dar conta de toda as tarefas de casa, trabalho e ainda estar 24 horas buscando uma forma de estimular a criança pode ser muito desgastante para as famílias”.
Laura Marsolla é professora, tem 54 anos, é mãe de Ana Clara – que é autista e tem 14 anos. Ela fala que no início foi bastante complicado se adaptar à nova rotina de aulas on-line com a filha e toda a família dentro de casa:
“Aqui em casa brincamos que é uma doideira. Como professora, tive que me reinventar para a adaptação das aulas à distância. Tenho também uma filha de 20 anos e meu marido que tem trabalhado de casa. Tem hora que é cada um em um quarto, em reunião. Tivemos que readaptar o quarto da Ana Clara para a nova rotina, tudo para facilitar a organização e montar as tarefas. O dia é bem corrido, mas como minha filha já faz terapia há bastante tempo, ela já tem mais autonomia. Mas sempre passamos no quarto para saber como ela está, se precisa de algo, damos um mimo pra ela comer, ajudamos na organização. Tem sido uma experiência diferente para todos. Reestruturamos tudo por aqui.”
Mãe Laura Marsolla, o marido e as duas filhas – Arquivo pessoal
A importância do cuidado emocional com as famílias de crianças autistas
Após um ano de pandemia e distanciamento social é muito importante que as clínicas, escolas e instituições que cuidam das crianças com autismo (sejam elas púbicas ou privadas) acompanhem também as famílias, os cuidadores que estão em contato direto com as crianças dentro das casas, e que também estão restritos quanto à sociabilização e expostos às mudanças drásticas de rotina. Dr. Adriano Barboza, que também é Mestre e Doutor em Teoria e Pesquisa do Comportamento pela Universidade Federal do Pará, explica da importância desse olhar de perto, da orientação parental para esta fase:
“Primeiro de tudo, é importante que cada família possa desenvolver estratégias de autocuidado – saúde mental é extremamente essencial neste momento. Cada cuidador precisa ter uma perspectiva clara de quais são as expectativas de ensino para seu filho ou filha. Essas expectativas precisam ser alinhadas com o que é possível atingir, dentro do plano de ensino de cada indivíduo. Além disso, identificar que estratégias podem ser continuadas em casa é essencial, mas precisa ser feito de forma equilibrada. Ao mesmo tempo que é necessário investir em estabelecer condições para a promoção de comportamentos funcionais, é também preciso investir em criar relações positivas entre mães, pais e filhos(as). Não há aprendizado sem motivação.”
A mãe Laura conta que encontrou um caminho para tentar diminuir o stress e criar atividades que fizessem bem a todos de casa:
“Criamos algumas pausas para tomar lanche, como se fosse o nosso recreio, e fazemos todos juntos. Um importante momento para não passarmos a tarde inteira sem conversar. Além disso, optamos por um passeio de moto no final da tarde, com todos os cuidado de higiene para a nossa proteção. Isso ajudou muito, porque a paixão da Ana Clara é moto. Essa foi uma forma de liberar o stress, porque ela estava tensa. Com o passeio, ela dá gargalhadas, levanta as mãos, abre os braços: é libertador! Um grande escape para a gente. Aqui em casa sempre falamos que a vida tem que ser leve, e que precisamos nos cobrar menos.”
Ana Clara – autista de 14 anos – durante passeio de moto com a mãe – Arquivo pessoal
Treinamento para pais – o olhar para a família
Para tentar lidar de uma forma mais leve diante dessa situação complicada de distanciamento social e cuidados com o filho autista em casa, Karina Frizzi – Psicóloga e Analista do Comportamento do Grupo Conduzir – explica que as conversas dos terapeutas com as famílias devem ser voltadas para entender qual o limite de cada uma:
“Estamos vivendo um momento em que nenhum de nós nunca imaginou e estamos todos tendo que nos adaptar. Por sempre quererem o melhor para os filhos, vemos os pais se cobrando porque às vezes não conseguem fazer todas as atividades, brincar com as crianças, ensinar novas habilidades. Mas é muito importante que os pais tenham seus momentos de descanso também, sabendo que estão dando o seu melhor, e que o principal é que quando estão com seus filhos, consigam estar por inteiro e tenham uma interação de qualidade, mesmo que seja por menos tempo do que eles gostariam.”
Parar um pouco e olhar para todas as demandas estabelecendo uma nova rotina para as famílias, pode ajudar muito neste momento. A psicóloga Karina Frizzi ainda continua: “No nosso trabalho como terapeutas, em nossa clínica, sentimos a necessidade de ter um momento semanal com os pais, que se dedicam tanto aos filhos e passam grande parte do dia com eles. Elaboramos um “Treinamento para Pais” de maneira remota e, durante a intervenção, os pais são constantemente orientados pela equipe. Um momento onde podemos ensinar mais um pouco sobre como os cuidadores podem ajudar os filhos a aprender novas habilidades, manejar comportamentos, entre outras coisas. Esse tipo de ação é muito relevante para a qualidade de vida de toda a família.”
A mãe Laura faz parte desse grupo e fala sobre a importância dele para a família: “Eu acho fantástica a preocupação desse olhar para os pais. Saber como estamos lidando com o filho autista em casa, se estão em crise ou não, e como lidar com essas situações. Sempre que eu não sabia o que fazer, me ajudaram prontamente. Sem contar que é muito positiva essa troca com os outros pais, compreender outra visão, ouvir histórias, para avaliar como está a nossa. Eu penso que se os pais estão emocionalmente tranquilos, os filhos também estão. E o contrário também é real.”
A mãe Tatiana também complementa: “Espero sempre poder participar mais para trocar ideias e crescer. Tudo o que for pra melhorar, estou disposta a aprender. Apesar da correria do dia a dia, tento me dividir entre casa, crianças e trabalho para poder me dedicar a este tempo importante para todos nós”.
Terapia ABA para crianças com autismo


Mês Mundial do Autismo e a empatia com o cuidador
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